segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Acerca do problema da adaptação de uma obra literária para o cinema I





Depois de um longo tempo sem postagens, o blogue do CINE FAMA retorna, dessa vez, discutindo o tema da adaptação cinematográfica de obras literárias. Serão postados textos dos integrantes do grupo de pesquisa da FAMA intitulado “Diálogos entre cinema e literatura” e os leitores estão, desde já, convidados para o debate.

O primeiro comentário é uma breve “pincelada” acerca do tema em questão. Os próximos textos deverão abordar filmes brasileiros que se basearam em obras literárias.
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A opinião, bastante corrente, de que o livro é sempre melhor que o filme não me parece que tenha a ver com o problema da adaptação em si. O que ela revela é muito mais um dado acerca da diferença entre a experiência do sujeito enquanto leitor e a desse mesmo indivíduo como espectador de um filme. O que foi visto (na tela) contrasta com o que foi imaginado (na leitura) e desse choque entre visão e imaginação surge um déficit irreparável, razão de sua frustração que, em geral, é transferida para os responsáveis pela concepção do filme.

Tal não seria possível, por sua vez, se não houvesse o livro servindo como ponto de referência para o tipo de avaliação que a opinião a que ora nos referimos revela. Ou seja, um filme julgado como inferior em relação a um livro poderia ser muito bem avaliado caso não houvesse a experiência prévia da leitura da obra literária balizando o julgamento do espectador. Em suma, é essa diferença de natureza entre a recepção do livro e do filme que repercute na depreciação de boa parte (quiçá da maioria) das adaptações de obras literárias para o cinema e não, repetimos, o tipo de adaptação adotado pelos realizadores do filme.

Como toda adaptação pressupõe escolha, é preciso estar atento a que critérios se valeram os realizadores de um filme no processo adaptativo. Isso não tem a ver, diretamente, com o fato de o filme ser bom ou ruim, pois isso dependerá exclusivamente de fatores intrínsecos à própria composição do filme. Um filme X não é ruim porque adaptou mal ou equivocadamente um livro Y, mas sim porque a linguagem de X pecou em um ou outro componente de sua estrutura estética, razão pela qual o produto final deixou a desejar.

Há quem possa preferir um determinado tipo de adaptação a outro. Por exemplo: há aqueles que preferem ver, no filme, a transposição direta do enredo, dos personagens, a reconstituição de época no figurino e no cenário do filme etc. Há aqueles para os quais a adaptação deve ser uma recriação livre a partir do livro, conservando dele uma ideia, uma sugestão e, em tudo o mais, refazendo-o, recompondo-o em outros contextos. Qual dos dois tipos de adaptação estaria mais correto? Nem um nem outro, uma vez que adaptação não é um conceito normativo, mas sim uma ponte entre duas artes distintas ou, melhor seria dizer, um “diálogo” entre duas obras.

Estou ciente de que a brevidade deste comentário negligencia a extensão teórica do debate da teoria do cinema acerca do problema da adaptação. Mas como a proposta aqui é falar de filmes e livros (filmes brasileiros que tiveram obras literárias como ponto de partida), deixarei essas poucas palavras como pontapé inicial da retomada das postagens do nosso blogue. Aguardem os próximos textos sobre o cinema nacional e a literatura.

Rafael Quevedo

segunda-feira, 21 de março de 2011

A função poética no cinema

Em entrevista concedida ao Programa Roda Viva da TV Cultura, em 1996, o poeta Haroldo de Campos dizia que todo verdadeiro poeta digno desse nome deveria, de alguma forma, ser uma espécie de “designer da palavra” ou, dito de outra maneira: todo poema se caracteriza enquanto tal justamente pelo fato de que, nele, não é só a informação veiculada o que interessa, mas sim como essa informação se configura do ponto de vista da linguagem. Em suma: na poesia o significante “pesa” tanto quanto o significado.
O que pudemos assistir no último sábado foi a extensão desse princípio à linguagem cinematográfica. Em “Sexo por compaixão” os significantes (as imagens, as cores – ou a ausência delas – o figurino, a fotografia, a narrativa paralela da rádio-novela etc.) estão intimamente associados aos significados que servem de esteio ao filme. O filme de Laura Maña é a prova de que a função poética da linguagem, apesar do nome, não é exclusiva da poesia mas constitui o modo de ser de toda obra efetivamente artística.
O caráter poético do filme tornou-se ainda mais visível a partir do mais que aguçado faro estético do prof. José Neres. Numa abordagem atenta aos mais supostamente secundários meandros da significação fílmica (como, por exemplo, a posição em que o personagem empunha a vassoura) ficamos sabendo que, na verdadeira obra de arte, nada é aleatório ou gratuito e tudo funciona e colabora para o efeito artístico. Neres mostrou-nos como se deve proceder na análise de uma obra (seja um filme, um poema, uma canção etc.). Seu comentário foi analítico no sentido mais importante da palavra, aquele que se refere ao ato de separar, de seccionar as partes a fim de podermos observar melhor seu funcionamento dentro do todo.
Agradecemos mais uma vez ao Neres e a toda(o)s que se fizeram presentes na terceira edição do Cine Fama.
Até a próxima.
Rafael Quevedo.

segunda-feira, 14 de março de 2011

CINE FAMA CONVIDA

DIA 19/03/2011 DAS 9H A 11H:30MIN NO ESPAÇO NAZARÉ FERRAZ (FAMA).
MEDIADOR DA CONVERSA APÓS O FILME: PROF. JOSÉ NERES (FAMA)


Interessante fábula feminista sobre a bondade e como ela é um conceito difícil de definir, o trabalho de estréia da diretora Laura Mana, Sexo por Compaixão, é uma história contada no estilo realismo mágico que ganhou o prêmio de melhor filme do festival de Málaga, na Espanha. Lembrando um pouco Luis Buñuel em sua fase mexicana, Sexo é artisticamente louvável, tem uma mensagem atraente e simpática e possui o poder de permanecer na cabeça do espectador. (Reuters)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010


O modus operandi da arte é insondável. É assim que eu parafrasearia o comentário da Arielle (4º período, Letras, vesp.) após a exibição de “As Invasões Bárbaras”. Concordo com ela: é possível que não sejamos os mesmos ao sairmos de uma sala de exibição após um bom filme. Mas o que mudou em nós? Esse é o tipo de resposta que parece escapar a qualquer exame.
Sem pretensões de sondagem, mas pensando “nas bordas” da questão, vemos que o bom filme não é aquele que pretende ensinar alguma coisa a alguém. Remy não existe para nos dizer como devemos viver. Tal como Cabral em “Separações”, o protagonista de “As Invasões Bárbaras” não nos dá modelos de como ser pai, professor, amigo, cidadão, marido etc. Ele apenas, simples e ficcionalmente, é! Nós é que participamos desse seu ser ficcional e o atualizamos em nossa realidade pessoal. Esse é um momento possível (não necessariamente indispensável) do que entendo por “experiência estética”: a identificação entre o receptor (real) e o personagem (ficção) numa mesma zona de vivências. Isso explica, por exemplo, a repercussão catártica que o filme produziu em parte da plateia presente.
Outra característica que me parece funcionar como critério do bom filme é a ausência do final conciliador. Nesse ponto, a meu ver, “Invasões Bárbaras” deixa a desejar quando, ao final, praticamente todos os personagens ao redor de Remy parecem sofrer modificações drásticas que apontam para uma possível “redenção” em suas vidas. De que modo se explicaria então, só para ficarmos com dois exemplos, a presença apaziguada da ex-mulher de Remy a seu lado, rindo das memórias sexuais do ex-marido com duas de suas antigas amantes? E ainda: a adesão de Nathalie ao programa de recuperação do vício em heroína? Em suma: não vejo razão para a proximidade da morte do protagonista funcionar como um deus ex machina redentor.
Apesar da ressalva acima, “Invasões Bárbaras” é um filme que se sustém de pé por si mesmo. Delineia uma leitura conjuntural do século XX sob o viés da crise do pensamento e das utopias sem fazer do filme uma obra enfadonha, repleta de pernosticismos intelectualoides. O diretor Denys Arcand (aquele que aparece devolvendo o computador portátil de Sebastien, lembram?) é sensível na concepção das imagens (não posso deixar de mencionar o close no rosto da aluna na cena em que Remy diz que terá de afastar-se da universidade) e, ao contrário de seu filme anterior (“O declínio do império americano” do qual “As invasões bárbaras” é uma continuação), teve mais senso de medida na distribuição dos diálogos dos personagens.
Por fim, retorno ao ponto inicial fomentado pela intervenção de Arielle. O que muda, em nós, após a experiência estética?  Insisto na ideia de que tais mudanças são insondáveis. Porém, a fala de cada um naquela manhã de sábado, aquilo que não foi dito mas foi pensado, aquilo que não foi pensando mas foi sentido e, por último, este comentário que ora escrevo não seriam, afinal, silenciosos indícios de alguma forma de modificação?

Rafael Quevedo.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Filme do próximo sábado, 23/10


O Cine Fama apresenta, no próximo sábado, 23/10, o premiado "As invasões bárbaras". Trata-se daquele típico caso de filme cuja simplicidade da sinopse encobre a profundidade do conteúdo. O filme apresenta um personagem (um professor de História) que se vê perto da morte por conta de uma doença. A pretexto de uma "despedida" da vida ele se reencontra com antigos amigos e com a própria família. Desse reencontro irrompem importantes (por vezes inquietantes) reflexões acerca da condição humana do homem contemporâneo. Portanto, ao contrário do que o título possa sugerir, "As invasões bárbaras" não é um filme de época ou histórico.




As Invasões Bárbaras

titulo original: (Les Invasions Barbares)
lançamento: 2003 (Canadá)
direção: Denys Arcand
atores: Rémy Girard , Stéphane Rousseau , Dorothée Berryman , Louise Portal , Dominique Michel
duração: 99 min
gênero: Drama


  • Ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, além de ter sido nomeado na categoria de melhor argumento original.
  • Recebeu uma nomeação ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro.
  • Recebeu duas nomeações ao BAFTA, nas categoriasde melhor filme estrangeiro e melhor argumento original.
  • Recebeu quatro nomeações ao César, nas categorias de melhor filme, melhor realizador, melhor argumento e melhor revelação feminina (Marie-Josée Croze).
  • Ganhou os prémios de melhor actriz (Marie-Josée Croze) e melhor argumento, no Festival de Cannes.
  • Ganhou o prémio de melhor filme estrangeiro, no European Film Awards.
  • Ganhou o Grande Prémio Cinema Brasil de melhor filme estrangeiro.  (fonte: wikipedia)

QUANDO: SÁBADO, 23 de Outubro, às 9h:00min.
ONDE: Espaço Nazaré Ferraz, Faculdade Atenas Maranhense

O EVENTO É ABERTO AO PÚBLICO

sábado, 18 de setembro de 2010


O projeto Cine Fama teve início hoje, dia 18/09/2010, com a exibição de “Separações” (2002), filme de teor autobiográfico do dramaturgo Domingos Oliveira. Originalmente concebido para o palco e adaptado, a posteriori, para as telas, “Separações” apresenta o amor entre Cabral e Glorinha, personagens encenados pelo próprio Domingos Oliveira e por sua esposa Priscilla Rosenbaum.
Repleto de referências ao mundo das artes (teatro, poesia, arquitetura, romance etc.) e da filosofia, o filme problematiza de maneira (aparentemente) simples as aporias do amor na contemporaneidade, suscitando diversos prismas por onde enxergá-lo. Da ética hedonista (“é melhor se arrepender do que se fez do que não se fez”, “o homem só é fiel patologicamente”) ao engajamento responsável (o homem é livre não quando segue seus instintos mas quando assume as suas escolhas), o filme toca numa questão (eu diria) existencial, pela qual cada um de nós, se já não se deparou com ela, certamente um dia irá conhecê-la. Tal questão pode ser sintetizada na seguinte pergunta: é possível o amor sobreviver à sua “institucionalização”? Em outras palavras: liberdade, amor e casamento podem conviver pacificamente?
Essa foi uma das questões trazidas à tona durante o debate (mediado pelo prof. César Borralho) que sucedeu ao filme. Os presentes (estudante de Letras da FAMA e convidados) expuseram suas impressões, leituras, discordâncias e indagações sobre o filme. Fiquei com a sensação de que mais poderia ser dito e que uma conversa mais demorada nos ajudaria a ver algo além do que cada um de nós pôde ver, individualmente, durante a exibição. Penso ser essa a importância da conversa após o filme: a possibilidade de saber do olhar do outro para melhor conhecermos o nosso. Foi justamente por isso que tomei a iniciativa de fazer este blog do Cine Fama: para que nossa conversa continue, ininterrupta, para além da sala onde o filme foi exibido.
A todo(a)s o(a)s que lá estiveram, o nosso (meu e da FAMA) abraço de agradecimento por terem comparecido nesta manhã e pela paciência com que suportaram os entraves técnicos iniciais. Sintam-se convidados e cordialmente intimados a deixarem neste blogue seus depoimentos, críticas, sugestões, aplausos, reproches etc. etc.
Rafael Quevedo

Aos interessados, eis o link para o blog do Domingos Oliveira:

http://dodomingosoliveira.blogspot.com/